quinta-feira, 20 de maio de 2010

Angelina

Sabem aquele verso da canção "vocês sabem lá / a saudade de alguém que está perto"?
A minha avó tem, até ao dia 22 de Junho, 87 anos. Há um ano e muito foi-lhe diagnosticada Alzheimer. Antes disso, cozinhava, varria, fazia camas, subia e descia escadas, tratava dela, tudo sozinha. E a verdade é que os únicos sinais mais alarmantes que notávamos era o constante queimar do refogado; punha-se a fazer a comida, ia à sala ver um bocadinho do Goucha e... já era! vezes e vezes sem conta, até ao dia em que deixou de cozinhar. Depois, foi a vez de trocar as horas. Às tantas da noite lembrou-se de sair de casa, para ir comprar o pão. Não se repetiu, porque foi aí que a sentença foi proferida.
A partir de então, a vida com a minha avó é um misto de emoções: ora está triste, rebugenta e tão mal com a vida que só pede para morrer, ora está bem-disposta, cheia de vida e implora a Deus que não a leve. Parte-me o coração vê-la de qualquer destas maneiras. Porque é triste vê-la triste. Porque é triste vê-la bem e portanto consciente de que o fim pode estar perto.
Almoço com ela de segunda a sexta e não há dia em que, quando a vejo, não me lembre dela. Do que ela era. Do que ela foi. A doença e a velhice uniram-se e isso é visivel. Ela anda, mas só o suficiente para chegar do quarto à cozinha; ela come, mas não sem demorar 1h e remexer a comida toda para separar grão por grão; ela sorri, mas não sem antes ter gemido e chorado.
A essência da minha avó permanece. Ainda tem o mesmo sorriso e a mesma voz, as mesmas manias e aquela resposta na ponta da língua. Mas não tem o brilho no olhar, não tem a garra...
Eu que tantas vezes lhe respondi mal por ela me querer manter numa redoma de vidro, quando o que eu queria era ir para o tanque e tomar banho com as minhas primas na água gelada, hoje, agora, neste preciso momento, sinto saudades de a ouvir dizer "Nina, sai da água!".
Porque a minha avó fazia-me arroz de tomate; fazia-me comer a sopa; assava maçãs no forno de lenha; lavava roupa no tanque; apanhava lenha no monte; levava um pedaço de pão no bolso da frente do avental.
Porque a tenho e não tenho. Porque tenho saudades dela.

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